terça-feira, 15 de outubro de 2024

A sala de aula: um espaço de instrução ou de sobrevivência?

 





Em meio à celebração do Dia dos Professores, surge uma reflexão incômoda e urgente: será que há, de fato, o que comemorar? O cotidiano escolar revela uma realidade distante das homenagens. Os desafios diários têm impedido o aprofundamento do trabalho pedagógico. A omissão de muitas famílias, ocupadas com seus próprios problemas, priva as crianças da atenção essencial para o desenvolvimento pleno, e quem sofre diretamente com isso é o professor.

 

Quando o amor não basta: A falha da formação teórica no cenário escolar real

As universidades, que deveriam preparar o professor para enfrentar a realidade da sala de aula, não funcionam. A formação teórica, baseada em Piaget, Vygotsky, Paulo Freire e outros, se choca com um ambiente escolar marcado por superlotação, indisciplina e a presença crescente de alunos com deficiências e/ou transtornos diversos. A teoria, por mais nobre que seja, não dá conta da prática extenuante de educar em um sistema desestruturado, principalmente do ponto de vista familiar.

Na universidade, aprendemos que educar é um ato de amor, mas a verdade nua e crua é que o amor sozinho não basta. Sem preparo adequado, sem o apoio familiar e sem respaldo de todos que fazem a escola, nenhum professor, por mais dedicado que seja, consegue enfrentar uma realidade onde a educação parece, a cada dia, mais à deriva. Vivemos tempos em que o amor deve ser acompanhado de estrutura, união dos profissionais, recursos didáticos e políticas públicas eficazes.

 

O fardo do professor na atualidade: entre a disciplina e os transtornos emocionais

O papel do professor mudou drasticamente. Se antes a responsabilidade principal era ensinar leitura, escrita e matemática, hoje, o foco deslocou-se para uma luta constante em manter a disciplina e gerenciar os inúmeros transtornos emocionais presentes em sala de aula. Em muitas turmas, há cinco, seis crianças com diferentes transtornos, e a maioria delas, sem qualquer acompanhamento terapêutico adequado e/ou eficaz, enquanto os pais, já sobrecarregados, transferem essa responsabilidade à escola, buscando alívio emocional.

No entanto, os professores e a própria escola estão despreparados para lidar com essa realidade, por diversos fatores, que não convém citar aqui. Além disso, há ainda crianças que não trazem o material escolar, não fazem o dever de casa, não se interessam em escrever, não abrem sequer o livro, conversam o tempo todo e criam conflitos com os colegas.

Para agravar, alguns pais, quando aparecem, transferem a culpa de suas falhas na educação doméstica para o professor, que apenas busca que seus filhos sigam as regras da escola. O sistema, por sua vez, tende a favorecer o fracasso escolar ao adotar ciclos sem reprovações mínimas significativas, permitindo que jovens concluam o ensino fundamental sem dominar o básico, como escrever um texto simples.

 

 

Inclusão mal planejada: professores à beira do colapso

Em um contexto de salas superlotadas, com estudantes que apresentam uma série de transtornos emocionais e comportamentais, muitos professores se veem sem o suporte necessário para conduzir suas aulas. Há cuidadores para garantir que o aluno chegue à escola, mas será que estamos, de fato, incluindo esses estudantes em um sistema educacional de qualidade? Infelizmente, a resposta parece ser não. A inclusão, quando mal planejada e executada sem estrutura, sobrecarrega ainda mais um sistema já falido, e quem paga o preço são os professores, pois a inclusão só será verdadeira e funcional quando considerarem o professor, que adoece, física e emocionalmente, ao tentar dar conta de tantos desafios ao mesmo tempo.

Com a rotina exaustiva e a ausência de apoio adequado, os professores acabam sendo os que mais necessitam de acompanhamento psicológico. E quem está olhando para isso? O número crescente de licenças médicas por problemas emocionais e físicos entre os docentes não pode ser ignorado. O ato de ensinar, que deveria ser uma prática de inspiração e conhecimento, se tornou um campo de batalha, onde o professor tenta, diariamente, sobreviver em meio a tantas dificuldades.

Os professores de outros tempos, que viveram a era do pó de giz, estes sim, sabem o que é o “chão da sala de aula”. Diferentemente daqueles que, hoje, fazem discursos eloquentes, mas nunca enfrentaram a realidade diária da educação básica, sequer por quatro anos consecutivos. Esses professores, formados no magistério, traziam consigo a base para lidar com a prática, algo que parece se perder na formação atual.

É urgente repensar que tipo de professor estamos formando. Não adianta citar os teóricos da Educação. A teoria só se sustenta quando acompanhada pela prática pedagógica eficaz, pelo exemplo diário e pelo envolvimento de toda a comunidade escolar. Só assim será possível consolidar uma educação de qualidade.

 

O desânimo dos novos professores: reflexões sobre o futuro da educação

Trágico é sermos testemunhas do futuro de nossa profissão ao recebermos os estagiários do curso de Pedagogia, que chegam às nossas salas de aula, e já desanimam ao verem a nossa situação: "Deus me livre, não quero isso para a minha vida" é uma frase comum entre eles. Preferem lecionar para os alunos mais velhos, fugindo dos desafios da educação infantil e fundamental.

O Dia dos Professores, mais do que um dia de celebração, é uma data que deveria nos fazer refletir sobre o futuro da profissão. Aqueles que estão na sala de aula, sem apoio, sem respaldo, sabem que não há o que comemorar. Nem mesmo a categoria consegue se unir em defesa de seus direitos, diferente de outras classes trabalhadoras que adotam o lema "mexeu com um, mexeu com todos". Seguimos divididos, enfraquecidos, acorrentados a um sistema que já não exige o básico dos estudantes, que é o respeito e dedicação aos estudos e, a falta de ação dos governantes, deixa o professor sem poder exercer seu papel como deveria.

       Saudamos com carinho os nossos colegas professores que que se mantêm firmes na missão de ensinar.

 




*Ana Maria Castelo Branco é natural de Passira, Pernambuco, Brasil. Mestra em Letras pela UFPE, Professora da Educação básica, escritora, poetisa e contadora de histórias. Organiza e também participa de antologias e coletâneas. Possui 9 livros de literatura infanto-juvenil publicados. Em 2022 publicou o Cordel das Anas, homenageando todas as mulheres que se chamam Ana ou têm Ana em seus nomes. Já escreveu artigos de opinião para o Diário de Pernambuco, o jornal mais antigo em circulação da América Latina. Criou com o marido, um estilo de poema minimalista denominado CASTELOVERS. Ministra oficina de escrita literária e foi premiada diversas vezes com as suas poesias. Acredita em Deus, no Amor e na Vida Eterna. Instagram: @anamariacastelobranco1

 

 

 





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